No ano passado, aos 54 anos, resolvi fazer a minha primeira tatuagem. Há muito tempo, vinha acalentando esse desejo, mas estava esperando o momento certo. Quando finalmente chegou o dia D, fui atrás de indicação. Pesquisei, olhei inúmeros desenhos e fiz alguns contatos, mas nenhum deu match. Comecei, então, a fuçar, no Instagram, páginas de tatuadores. Olha aqui, olha ali, confere o traço, o perfil etc. Ai, que preguiça. Faltou pouco para não desistir. Mas, aí, aconteceu a tal da sincronicidade – aquela mão invisível que conduz a gente ao lugar certo – e caí na página da Karen Proença. Combinamos o preço, o desenho, agendei o horário e lá fui eu fazer o registro do meu momento especial de vida, em minha pele nunca dantes desenhada.
Foi um encantamento à primeira vista: estava diante da fada das tattoos. É verdade, parece que ela saiu de um desenho animado. Sabe aquelas personagens empoderadas da Disney? É ela. Enquanto me tatuava, ela me contou um pouco de sua vida. Uma história potente e cheia de raça. Aí está mais uma mulher poderosa.com, pensei, naquele momento. E é esse bate-papo delicioso e inspirador que vou contar para você, a seguir.
Independente, desde a adolescência
Com pouca idade, Karen percebeu que em suas veias corriam o sangue da independência. Assim, logo descobriu que, para conquistar aquilo que queria, tinha de trabalhar. Motivada a comprar um celular, aos 14 anos, começou a fazer panfletagem de empreendimentos imobiliários, nas ruas de São Paulo. Em alguns meses, conseguiu o que pretendia. “Comprei em dez vezes meu aparelho, mas logo fui roubada”, conta, fazendo graça com o azar de principiante e lembrando que o pai, penalizado, acabou pagando o restante das parcelas.
Desde que iniciou na labuta, não parou mais. Fazia limpeza na casa da tia, cuidava da sobrinha. “Dava um jeito de me garantir. Fazia vários bicos e sempre tinha um dinheirinho para comprar as minhas coisas”, relembra.
Depois, mais crescida, antes de se graduar em Contabilidade, foi desenvolvendo diferentes habilidades e passou a atuar em empresas como auxiliar administrativo, vendedora e atendimento ao cliente, entre outros cargos.
Expulsa de casa, aos 19 anos
Grávida, aos 19 anos, Karen foi expulsa de casa pela mãe. “Minha mãe nunca me impediu de fazer nada, mas constantemente me alertava que se algo acontecesse, nesse sentido, eu teria de sair de casa”, conta, com um olhar sentido.
Para ela, esse momento foi bastante difícil e cheio de tensão. A relação com o namorado já não estava boa, tinham dado um tempo. E foi em um dos reencontros, ocorrido durante esse hiato do relacionamento, que ela engravidou. “Fui morar com o meu namorado e fiquei com ele até os meus 24 anos, quando nos separamos.”
Com tanta pressão e um convívio forçado pela gravidez prematura, a vida em comum estava mesmo fadada a não dar certo. Mas, apesar dos embates e dissabores, ela ganhou um presente muito especial: o nascimento de Melissa, hoje com 14 anos de idade. “Ela é minha grande companheira. Temos um diálogo aberto e muita cumplicidade”.
Ao se separar, Karen tomou a decisão de fazer faculdade de Ciências Contábeis. Queria dar um salto em sua trajetória profissional. Para dar conta da rotina – acordar às 4h30, para assistir às aulas, cuidar da filha e, ainda, trabalhar – teve de se desdobrar em várias. Sua mãe, vendo que ela estava sobrecarregada, sugeriu que ela fosse morar em sua casa. "Aceitei, mas coloquei algumas condições, a fim de que nenhuma de nós perdesse a autonomia e liberdade."
Mais uma vez, seu plano deu certo. Com o diploma na mão, passou a trabalhar na área que escolheu, ampliando seus horizontes no mercado. Foi graças a uma dessas colocações que ela conseguiu comprar o seu imóvel próprio. “Tiraram o meu sangue, mas sou grata, pois consegui dar entrada no apartamento onde moro”.
Apostando todas as fichas em seu sonho
Em 2019, aos 30 anos, Karen foi demitida do emprego. Essa notícia, ao invés de derrubar a sua autoestima, despertou a leoa que havia dentro dela. “Resolvi realizar o meu sonho, ser tatuadora profissional.” Imagino que você esteja pensando: “mas, assim, do nada?”.
Não, não foi do nada. A paixão pela tattoo já habitava o seu coração, há alguns anos. O primeiro incentivo veio de um ex-chefe. Ele ofereceu, por um preço simbólico, o seu primeiro kit de tatuagem. “Foi bem em conta, mas só dava mesmo para treinar, era muito ruim”, relembra. E, foi assim: entre laranjas, bananas, maçãs, E.V.A.s e vídeos no YouTube, que ela foi aprendendo, sozinha, a arte de fazer tatuagem. Isso mesmo! Uma autodidata do ofício. Sua primeira tatuagem foi um coelhinho da Playboy, feita em 2015. “Lembro como se fosse hoje, uma pessoa muito corajosa!”, brinca.
Quando veio o desemprego, ela já fazia alguns atendimentos, aos finais de semana. Embora tivesse um planejamento financeiro bem controlado e recursos para viver por um ano, em 2020, quando veio a pandemia de Covid-19, deu continuidade ao home office, com o atendimento apenas de mulheres. Depois que a primeira onda deu uma arrefecida, ela se instalou em uma barbearia e depois em um estúdio na Fradique Coutinho, no bairro paulistano de Pinheiros.
No meio dessa trajetória, recebeu uma oferta de trabalho, com carteira assinada. “Foi uma tentação, mas resisti e dei continuidade ao meu projeto”. Ao invés de aceitar a proposta, partiu para os estudos, visando incrementar seus conhecimentos sobre marketing e empreendedorismo.
Hoje, Karen Proença está com 33 anos. Quando a conheci, estava instalada em uma casa no Pacaembu, na companhia de outros tatuadores profissionais. Passados alguns meses, ela me deu a notícia de que já estava com sua sala própria, nesse mesmo local. Um presente conquistado com muita garra. Em novembro do ano passado, ela celebrou um ano como tatuadora profissional, totalmente dedicada ao ofício, e sorteou uma tatuagem no valor de R$ 1.000,00. Essa foi a forma que ela encontrou de agradecer a todos que a ajudaram a prosperar na carreira.
Agora, Karen é blogueira, influencer e inspiração para muitas pessoas que acompanham suas postagens. No final de 2021, tinha 2,8 mil seguidores e hoje já conta com um séquito de quase 18 mil pessoas, no Instagram. ”Tinha vergonha de falar em vídeos, mas perdi”. Tanto isso é verdade que todo o crescimento dela nas redes sociais têm se dado de forma orgânica e um de seus posts chegou a viralizar.
Os próximo passos são ter um estúdio próprio e uma demanda que gere uma agenda antecipada de três meses, além de fazer guest tattoo pela Europa. “Quero chegar ao topo em minha profissão, mas também quero ter uma vida normal, sem que o sucesso suba à minha cabeça”. Alguém duvida disso?
Quanto a mim, já estou na minha terceira tatuagem e programando a próxima. Encontrei uma tatuadora para chamar de minha. Como sou generosa, convido você a chamá-la de sua também. A página de Karen Proença no Instagram é https://www.instagram.com/karenproenca.tattoo/. Confere lá e já marque a sua tattoo.
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